Um silêncio da savana instalava-se. Tal como ele, esse silêncio, era quebrado de tempos a tempos, por algum barulho longínquo. Assemelhava-se a uma batida seca... de um coração. Era essa batida, esse som que o fazia ver que estava vivo! Estava sozinho no meio de tudo o que o rodeava. Mas se se encontrava sozinho era porque assim o entendia. Remeteu-se para si mesmo e não mais se permitiria a voltar do lugar escuro, sombrio, gélido em que se encontrava.
Outros tempos houve em que quase o fez. Quase voltou.
Na fortaleza que havia erigido para si, deixou uma fresta, uma minúscula fresta por onde chegavam os sons do mundo, as lembranças, os desejos. Mas nem só.
Uma certa noite, surge-lhe por essa fresta, um vulto, um ser daqueles com quem há muito havia deixado de conviver e em quem havia deixado de acreditar.
Ela aparecia-lhe durante a noite. Era com ela que os barulhos ganhavam frequência e se tornavam mais audíveis. Trazia com ela um prenúncio de vida. Foi ela que quase o fez querer deixar o seu desterro.
Ela era esbelta e esguia, ventre plano. Era um ser do deserto e movia-se como o vento das areias. Os seios como duas dunas imponentes, convidavam ao olhar. Os olhos... Esses eram expressivos e quentes como o sol que assola, queima e aquece o deserto. Contrastavam com o coração, gelado e escuro como as noites do deserto.
Durante noites, nada mais fizeram que olhar-se. Tentarem entender-se nos olhos um do outro, nos seus silêncios. Muito tempo passou até que se decidissem a quebrar o silêncio que os separava, até decidirem quem seria o primeiro a proferir a primeira palavra. Como se se tratasse do "verbo" bíblico. Como se a primeira palavra fosse a mais importante de todas. Como se fosse a única razão para continuarem ou se perderem para sempre no distante silêncio que tinham erigido entre eles.
Eis então que ela levanta a face e ele pode apreciá-la pela primeira vez, desde o primeiro dia. Nota a pele morena, o nariz direito, mas ligeiramente arrebitado na ponta. Os olhos grandes e claros. E os sinais. 3 muito discretos, mas que lhe cativavam o olhar e o obrigavam a fixar-se nela.
"Porque estás aqui?" A voz era tão doce como um delicioso mel. Tão fluída como um natural ribeiro selvagem. Aquele som arrepiou-o, estremeceu-o até ao mais mínimo de si.
"Não sei nem quero saber! Porque quero! Por ti! Sim. Por ti." "Mas queres porquê? Sabes o que perdes? Por mim? Por mim?" Fazia perguntas de mais. Queria saber de mais.
Sem comentários:
Enviar um comentário