terça-feira, abril 06, 2010

"o dia em que naci moura e pereça"

Este meu novo texto tem o título de um poema do grande poeta épico português Luíz Vaz de Camões. No entanto o conteúdo do texto que se segue nada terá a ver com o pema a não ser a minha vontade de amaldiçoar o dia em que "naci". Nesse mesmo dia a terra devia ter-se aberto debaixo dos pés do médico e eu deveria ter sido engolido por esse buraco. Deveria agora definhar no Hades profundo, chorando eternamente a luz do dia que nunca devia ter visto, chorando a vida que não devia ter vivido, nem levado. Mas acima de tudo, deveria penetenciar-me pelo sofrimento que inflijo aos que me rodeiam e que nunca deveria ter provocado se naquele instante Hades me tivesse levado com ele para a sua morada subterrânea.
Uma vez lá, transposto o rio e entregue o bolo à besta Cerberus, não mais voltaria a pisar terrenos terrestres e para sempre vaguearia por espaços escuros sofrendo mil tormentas nas mãos de mais mil condenados. E sempre que por ímpeto hercúleo, uma vontade me indicasse a luz de saída de tamanho sofrimento, a Besta se encarregaria de me rasgar a carne, para sempre imortal e não pálpavel para mais uma vez regressar para junto dos mortos. Deveria ter sido o meu destino. Um destino em tudo semelhante a Atlas. Deveria eu carregar o peso dos Céus nos meus ombros e dia após dia um abutre de apetite voraz me devoraria um bocado de carne. Mas essa minha eternidade de sofrimento faria com que, sempre, a ferida cicatrizasse e mais uma vez este mesmo abutre viria e me desfizesse mais uma costela, ou um rim ou mesmo o coração!
Antes o meu sofrimento fosse mortal, para que no momento em que me arrancassem o coração, não mais sentisse nada de nada. Vai-se o coração, mas deixem-me com a razão. Oh Grandes Titãs... Para que nos criastes para viver uma vida de tormentas e sofrimentos? E vós? Agora encurralados para todo o sempre no Tártaro! Terá sido esse o vosso castigo pela criação de tão medonho ser como eu? Se assim foi, cumpro de bom grado a penitência por vós. Oh Deuses... Vós que se deixam ficar nos vossos assentos Olímpicos enquanto me vêm definhar para vosso deleite! Acabai de vez com este meu sofrimento e deixai que uma vez eu possa dizer que fui feliz! Permitei-me esse pequeno prazer.
Mas partirei com a certeza de que com a minha infelicidade deixei alguém feliz.
Permitei-me partir gritando urras de Amor encontrado e para sempre perdido. Urras de Amor condenado... urras de amor infeliz. Como posso eu, um ser tão mesquinho, tão insignificante e pequeno provocar tanto sofrimento?
Oh Deuses... Amaldiçoo o dia em que não morri, nem pereci. Amaldiçoo o dia em que sofro mil sofrimentos por cada um que causo. Deixem-me partir. Libertem-me deste triste Fado!
Não deveríamos todos ter direito ao mínimo de felicidade? Não deveria ter tido a oportunidade de ser feliz? E quando me perguntarem se não o fui junto das pessoas que mais amo, responderei que qual Midas, a minha sina não foi transformar em ouro tudo o que tocasse, mas transformar em infelicidades eternas os segundos de felicidade que me foram concedidos.


"O dia em que naci, moura e pereça"

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