quarta-feira, janeiro 22, 2020

Alegria por não te amar.

Deixei-te na porta de casa.

Tínhamos estado juntos toda a noite. E a noite voou tão depressa que me doeu no mais íntimo a nossa despedida. Rimos tanto que chorei de alegria, a barriga doeu e os músculos da cara ficaram tesos como pedras. Disse-te isso e respondeste "São então as pedras mais bonitas que já vi. O teu sorriso é lindo. Os teus olhos também". Fizeste-me corar. Não estou habituada.

No momento da despedida, quis-te. Quis a tua respiração ofegante. Quis o teu corpo e a tua alma naqueles momentos em que amantes se tornam um só.

Imaginei o sabor dos teus lábios e souberam a gelado de chocolate. Mas que gelado de chocolate?! Nem sequer é o meu favorito. Porque haveriam os teus lábios de ter esse sabor?

Senti as tuas mãos largas, dentro dos bolsos a correr o meu corpo. Apertaste-me com tanta força que gemi. Apertaste mais. Gostaste daquele som de prazer e dor que não parava de emitir.

Mas como tudo tem um fim, apartámos-nos. Cada um seguiu o seu caminho em direcção a casa. Ainda voltei atrás para te dizer que queria dormir com o sabor dos teus lábios mas, quis o Fado que tudo não passasse de um sonho.

Acordei e chorei. Chorei de saudade e alegria. Saudade de desejar. Alegria por não te amar.

terça-feira, janeiro 21, 2020

A pior das sensações volta - parte três mil cento e vinte e quatro e meio

Era noite escura.

Ela saiu de casa para um café. Saiu de casa, bem arranjada e perfumada. Era um dia como todos os rotineiros dias em que a vida se torna - por mais que não o quisesse.

Ao fechar a porta de casa, sentiu um frio, quase gelado de neve que lhe subiu e desceu todo o corpo. Era um dia de Verão. Como podia? "Foi só um calafrio" - pensou. Mas porquê? Olhou o telefone para confirmar qualquer negra notícia. Mas o telemóvel encontrava-se como a noite, negro!

E andou. Não pensou mais naqueles cabelos que, momentos antes, se haviam levantado como uma grande floresta. Mas pensava no café!

Acendeu o cigarro. Como de costume, puxa o cigarro, coloca-o gentilmente na boca e ri-se de pensar que havia algo de diferente. Sabia o que era, mas nem pensou. O isqueiro em seguida. Rodou a pedra e um pequeno clarão rasga a escuridão. Aquela chama, dançarina, protegida por uma mão, procurou a ponta do cigarro e, assim que os dois elementos se encontraram, naquele instante, inspirou, sentiu aquele fumo de cigarro digestivo rodar dentro da boca, conhecendo todas as papilas e apalpando todos os dentes e sorriu. Sorriu porque a imagem do cigarro que se juntava à chama a fazia lembrar os encontros amorosos. Pensou em dois amantes separados que só por forças externas se podiam encontrar. Mas aquele sorriso, depressa se escondeu com a tristeza daquele encontro fugaz. Será que aquele encontro de milésimos de segundo fazia valer a separação que se avizinhava ainda antes de se beijarem?

Gostava de caminhar a fumar. Distraía-a. Sempre que o fazia, o seu passo acelerado do dia, era substituído por um mais lento, semelhante às nocturnas horas. Apreciava as estrelas e a brisa que lhe tocava o rosto, como quem esconde uma lágrima. E lá teve que enconchar a mão para proteger aquela fonte de calor e impedir que se extinguisse mais cedo que tarde. Achou piada aos barulhos. Parecia que estava mais atenta, pois ouvia sons que lhe pareciam estranhos. Ao virar o canto da rua, a torre da igreja, apareceu-lhe imponente, fálica, virada para a Lua - o café estava perto. E o amante da chama chegava ao fim. Rodou-lhe a ponta até ficar só com o filtro na mão. Despejou aquele falecido no lixo, massajou o tapete de entrada com os pés, a cabeça baixada, mostrando o respeito e a cordialidade de quem entra em espaço que não seu. Levantou a cabeça, rodou-a a procurar uma amiga, com quem não tinha combinado nada e,

O espaço tinha ficado vazio. Onde estavam os amontoados de corpos que tinha visto? A música? O mundo desaparecera!
"Puta que pariu!!! - gritou com o megafone mental. "Outra vez?" - berrou surdamente. O calafrio... Lembrou-se do calafrio.