sexta-feira, fevereiro 14, 2014

Ouves!?

Parada na porta. É assim que me encontro. Feita espantalho no meio do corredor. Os únicos pássaros que espanto são as dúvidas que me assolam. Bato ou não? Fico ou vou? Falo ou calo?
Aquele nervoso miudinho igual ao primeiro dia de escola corre todas as partes de mim, toma-me por completo e vem-me um sabor amargo à boca. Aquele sabor de "quase vómito" de bebedeira. Dá-se um nó de marinheiro na garganta. Um daqueles nós que nunca dei, nem nunca vi. Um daqueles nós que, só sabendo se conseguem desatar.
É então que me decido. Vou-me embora. Não consigo. Tenho medo. Enfraqueço e acovardo-me. E naquele momento em que vou virar as costas para me ir embora, naquele instante de desistência, exactamente naquele segundo em que tenho plena consciência da minha condição de medricas, precisamente aí, o meu corpo deixa de me obedecer. Olho de fora para mim e vejo a minha mão a levantar-se, o punho a cerrar-se. Ainda tento voltar para dentro de mim. Ainda tento evitar o que se segue mas... bato. O som oco de pele e osso na madeira ecoa pelo espaço vazio. Olho à volta e tudo desaparece. Não há escadas, nem janelas. Tudo escuro. Só eu e a porta em que bati.
Como espantalho preso e sem movimentos, fiquei colada ao chão. Não consigo mexer-me.
Acho que se não abrires a porta, se não estiveres em casa, ficarei no mesmo sítio até te ver. Até falarmos.
Penso. A única coisa que ainda consigo fazer. Aquele faculdade sobre a qual ainda tenho pleno controlo. O que vou dizer? Como? E se me interromperes? E...
(A porta faz um barulho)
Vêmo-nos. Faz tempo que não o fazíamos.
Num impulso, empurro a porta e vou entrando (se o fizeste, porque não posso fazer o mesmo?!)
Páro no meio da sala (sinto-me nua, despida) e quando me volto, estás a acabar de fechar a porta.
- O..
- Cala-te! Não digas nada. Não abras a boca. Se estiveste tanto tempo calado, bem podes ficar mais um bocado para ouvir o que tenho a dizer. Se não fôr agora, não sei se alguma vez serei capaz de o dizer (mas quem sou eu? não me reconheço. pensei tantas vezes no que te haveria de dizer, mas nenhuma delas começava assim, ou mesmo neste tom de voz. a única coisa que te queria dizer era que sentia falta das nossas conversas, que te amava, que...) Vais-me apanhar a divagar, fartar-te de me ouvir. Mas calas-te e ouves!

1 comentário:

Kagemusha disse...

Pedro: Você veio ao meu blog há algum tempo e comentou em um post que fiz sobre o filme "Finding Forrester". Eu acho que a pergunta era se o escritor do livro era real ou não. O autor é um personagem fictício e não é real. Eu escrevi o ensaio como um exemplo para os meus alunos que você pode realmente escrever um longo ensaio durante a noite. Espero que você esteja bem.