"Eu já não sei andar nisto. O que se passou aqui?"
Já se passou tanto tempo. Ela seguiu o seu caminho. As horas passaram a dias, os dias a semanas e as semanas passaram a meses. Os sentimentos de tristeza e ansiedade íam diminuindo com o tempo, mas mantinha-se com ela. Pesava nos ombros, no peito e na cabeça.
É engraçado como esses sentimentos podem ser poderosos aliados na recuperação de..... Merda!!
"Olá! Estás boa?"
Tanto tempo depois tinham de se encontrar. E aquele sentimento de "gostar" voltava a aparecer.
"Sim. Estou. E tu?"
"Estou óptimo. Que fazes por aqui? Tens tempo para ir beber um café?"
"Pode ser! Mas achas que é uma boa ideia? Tão cedo? As coisas não estão ainda à flor da pele? Tempo é o que não me falta."
[À flor da pele para quem?]
"Sei lá... Para ti. Para mim. Para nós."
Seguiram sem direcção e em silêncio. Ela ainda se lembrava como se fazia. Ainda conseguia ser o "Marcelo" e afinar os silêncios. Ao chegarem à entrada do café, ela pediu para ficarem na esplanada. O dia estava fresco mas solarento. E ela adorava o sol.
"Um café! E tu? Uma Sumersby, certo?"
"Sim."
"Deixa estar que eu pago!"
"Ok. Obrigado. Não vais fumar?"
"Eu disse-te que conseguia deixar!"
"E deixaste?"
"Não. Mas fumo muito menos e só quando me apetece. E ao pé de ti, nunca me apeteceu muito!"
"Estás diferente!"
"Sim. Estou mais magra. Voltei a correr!"
"E o que tens feito?"
"O normal... Trabalho e mais trabalho! Mas porque perguntas? Porque te interessas agora e não antes? Só porque nos encontrámos?"
"Desculpa. Não quis ofender!"
"Não ofendes. Mas é pena que tenhas desistido de querer falar, ou estar!"
"Fiquei com a ideia de que não irias mais querer falar comigo e que era uma decisão tua que eu teria de respeitar!"
"Não querido! O que eu mais queria era continuar a falar contigo mas, tu é que fizeste questão de me afastar da tua vida!"
"Não me chames querido!! E como é que eu fiz isso?! Eu até te disse que queria que continuássemos a falar."
"Pois foi. Mas quando falava contigo, tratavas-me mal. Ou pelo menos muito friamente. Não me respondias e quando respondias era com sete pedras na mão!"
"Oi?!? Nada disso!"
"Deixa estar querido"
"Já te disse para não me chamares isso!!"
"Lá estás tu! Vês como te disse que me afastavas? É isso. Já devias saber que é o meu jeito de tratar as pessoas de quem gosto!"
[Ainda gostas de mim?]
"Mas é claro que sim! E irei gostar até que o Alzheimer me pegue!!"
[Mas como? Depois do que te fiz!?]
"Paixão... Como poderia não gostar?"
"Eu não sei mesmo o que fiz para merecer a tua atenção. Mas tu és incrível e sei que nunca mais terei isso na minha vida."
"Queres saber o que fizeste? Existes! És o único homem por quem me apaixonei sem querer. Não sou fútil para procurar homens bonitos e bem constituídos. Procuro companheirismo. Procuro inteligência, cultura, formas de estar na vida diferentes. E tu tens tudo isso. Isso é que me fez olhar para ti! E não esquecer que eu sou uma pessoa que gosta de desafios. E tu desafiaste-me muito! Só tenho pena de uma coisa..."
"O quê?"
"Lembras que eu sempre disse que nunca te deixaria fugir? Uma vez até brinquei com isso. Lembras, íamos de carro e falou-se sobre isso e eu até reduzi a velocidade? Perguntaste logo se eu já estava a desistir de ti?"
"Não me lembro. O que tem isso a ver?"
"Eu quase desisti de ti. No dia em que abalaste por completo o meu mundo todo! Mas recuperei. Cá estou!"
[Mas estás bem? É que dizes que ainda gostas de mim?]
" Claro que estou bem. Estou bem porque gosto de ti!"
[Isso não faz sentido nenhum!]
"Claro que não faz sentido. Mas é exactamente isso que é esse sentimento que tenho por ti! Lembro-me que me disseste que dar uma segunda oportunidade era errado porque ninguém tinha errado. E tinhas meia razão. Eu errei quando abri mão de ti sem lutar. Desculpa-me por isso! Sei que precisavas de mim e eu simplesmente ouvi o que tinhas a dizer e mais nada! Mas também tinhas razão. Não era uma segunda oportunidade que te deveria ter pedido. Era uma segunda hipótese de voltarmos a criar algo diferente!"
"Não é nada disso. Não tens que pedir desculpa. Sempre te disse que o problema é meu!"
"Eu sei que o problema é teu. Mas o teu problema afectou-me a mim. Não me deste sequer hipótese de poder ajudar de alguma forma!"
"Mas tu não tens nada que ajudar com as minhas coisas!!!"
"Claro que tenho! Quando gostamos, cuidamos!"
"Não gosto de Caetano!"
"Eu sei que não! Mas ainda não acabei!! A verdade é que para além do pedido de desculpa, tenho um "obrigada" ainda maior!"
"Não estou a entender... Agradecer o quê?"
"Eu tinha deixado de procurar uma pessoa. E no dia em que percebi que gostávamos um do outro, e que era algo que queríamos fazer, eu permiti-me a voltar a gostar de alguém. E por isso tenho de agradecer. Eu voltei a ter sentimentos por alguém. Eu voltei a sonhar com alguém. Eu voltei a sentir desejo e a sentir-me desejada! E foi.... Não!! É tão bom!"
"É?"
"Sim. É!! Eu disse-te que me tinhas deixado num farrapo. Foi verdade durante algum tempo. Não dormia nada. Acordava a meio da noite e não conseguia voltar a adormecer. Acordava a sonhar contigo. Adormecia a sonhar contigo. Cheguei a ter um pesadelo que me fez questionar se o pesadelo tinha sido real ou não! Disse-te que uma lasca se perderia para sempre e teria de saber o que seria porque ainda andava a apanhar os cacos. A lasca não se perdeu. Eu sei que és tu que a tens! Podes ficar com ela."
[Não estou a perceber. Que lasca?]
"A lasca que se perde quando alguém parte alguma coisa. Podes tentar colar os bocados, mas uma lasca vai-se sempre perder. No meu caso, eu colei os bocados todos e percebi que a lasca que falta és tu que a tens! E podes guardá-la ou deitar fora. Sei que não acreditas muito nessas coisas mas, a verdade é mesmo esta. Sempre te disse que nunca te iria mentir. E não estou a mentir. Digo-te que aquilo que senti e passei contigo não voltarei a sentir. Porque não quero! Porque a única pessoa no mundo que algum dia se interessou verdadeiramente por mim foste tu! E não digas que te serviste dos meus sentimentos porque eu nunca percebi isso! Como te serviste deles? E para quê? E como me usaste? Para quê me usaste?"
[Eu não sei mesmo o que fiz para te merecer daquela forma]
"Já te disse. Simplesmente existes com todas as tuas imperfeições. Tenho pena que não possamos ter uma outra hipótese..."
[Eu nunca disse isso...]
"Podemos?"
[Não sei. Depende de nós. Mas ainda não sei se consigo.]
"Isso quer dizer que ainda gostas um pouco de mim?"
[Claro. Já te disse que não voltarei a ter o que tive contigo]
"Não te preocupes. Posso-te fazer bem mais e melhor. Tu desististe de me conhecer. Tu só conheceste a minha parte boa. A carinhosa, a simpática, com sentido de humor e divertida. Nunca conheceste o meu lado sombrio. E acredita que eu tenho um. Eu tenho os meus problemas e nunca os conheceste verdadeiramente. Podes conhecer. Gostava que um dia me ajudasses a resolver esses problemas como estavas a fazer sem saberes."